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Mulheres cabo-verdianas na luta pela independência

CABO VERDE
Papel das mulheres cabo-verdianas na luta pela independência cada vez mais reconhecido
Amélia Sanches Araújo nasceu em Luanda, mas foi na Guiné-Bissau onde esteve com o marido na luta de libertação daquele país e de Cabo Verde, um papel de `heroína` que diz está a ser reconhecido no arquipélago.«Penso que somos reconhecidas. Embora não se divulgue, as pessoas que nos conhecem respeitam-nos, e quando há eventos somos convidadas», disse à agência Lusa Amélia Araújo, 83 anos, uma das muitas mulheres que participaram ao lado dos maridos na luta armada de libertação das ex-colónias.

«Não há nada de especial. Não fizemos a luta para depois ser motivo de homenagens e coisas do género. Fizemo-lo por convicção, naturalmente», prosseguiu a octogenária, viúva de José Araújo, antigo ministro da Educação de Cabo Verde, falecido há 25 anos.

Amélia Araújo esteve sempre ao lado do marido e recorda que fugiu com o grupo de antigos estudantes das colónias portuguesas que protagonizou a denominada `A Fuga` clandestina de Lisboa, em 1961, rumo à independência dos seus países.

Entre os cerca de 60 estudantes estavam os ex-Presidentes de Cabo Verde e de Moçambique Pedro Pires e Joaquim Chissano e os ex-primeiros-ministros de Angola e Moçambique Fernando Van Dunen e Pascoal Mocumbi.

Segundo Amélia Araújo, as mulheres «estiveram em várias frentes», como na educação, na saúde, trabalhavam no secretariado do Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) e também na informação.

Amélia era locutora e a voz mais conhecida das emissões em português da Rádio Libertação, do PAICG, partido do qual o marido era dirigente e responsável pela área de informação.

«Era um período em que éramos jovens, e não tínhamos a ideia exata do que íamos ter, o que é que estava à espera de nós. Chegamos, aceitamos e adaptamo-nos. Fizemos aquilo que tínhamos para fazer, naturalmente, porque queríamos tanto libertar os nossos países de qualquer sacrifício», afirmou à Lusa.

Mais de 40 anos após as independências, Amélia Araújo disse que «valeu a pena» a luta armada, apesar de, no início, ter dito que seria «muito difícil» Cabo Verde «dar a volta» e seguir como país soberano.

«Mas conseguimos e hoje vemos um Cabo Verde bonito, próspero, embora com muitos problemas e desafios. Mas vai progredindo», salientou a `heroína`, que depois da independência da Guiné-Bissau (24 setembro de 1973) ficou com o marido naquele país.

O casal só regressou a Cabo Verde em 1980, após o golpe de Estado na Guiné-Bissau, mas cinco anos antes tinham assistido a cerimónia da independência nacional, na Praia.

Amélia Araújo falava à Lusa, na cidade da Praia, no âmbito de uma palestra sobre o «papel das heroínas na luta da independência nacional», enquadrada nas comemorações do 20 de janeiro, dias dos Heróis Nacionais e de mais um aniversário do assassinato de Amílcar Cabral.

A palestra, organizada pela Associação para a Promoção do Património Educacional (ASPPEC), destinada a alunos do ensino básico e secundário e onde Amélia Araújo deu o seu testemunho, teve como oradora Graça Sanches.

Em declaração aos jornalistas, a ex-deputada e professora disse que as mulheres deram «vários contributos» na luta armada, e o primeiro foi a aceitação da luta pela independência.

Indicou também que além de acolheram as reuniões clandestinas em suas casas, as mulheres cuidavam das crianças, muitas estiverem na Rádio, um dos meios de comunicação mais eficazes na altura para combater a elevada taxa de analfabetismo.

«É um contributo enorme que as mulheres deram para a independência dos dois países e acho que é muito injusto que as pessoas não conhecem o trabalho que elas fizeram», salientou, dizendo que essas `heroínas` servem de inspiração para muitas mais novas.

Mais de 40 anos depois, Graça Sanches considerou que o primeiro contributo que a sociedade pode dar para reconhecer essas mulheres é falar delas, dizer às crianças que tiveram um «contributo determinante» na luta pela libertação nacional.

O 20 de janeiro, dia dos Heróis Nacionais, será assinalado na sexta-feira com várias atividades um pouco por todo o arquipélago cabo-verdiano, com destaque para uma marcha na cidade da Praia para evocar a memória de Amílcar Cabral.

Sobre Ivair Augusto Alves dos Santos

Professor doutor, escreve para o portal Mundo Negro e pai de cinco filhos.

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