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Angola, Crise humanitária, Economia

As trabalhadoras domésticas de Angola lutam por dignidade

zungueiras-e-lixopor Manuela Gomes
Milhares de famílias em Angola entram em 2017 com mais uma despesa no orçamento doméstico, resultante do Decreto Presidencial nº 155/16, que dá proteção social e jurídica ao trabalhador doméstico.
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O coordenador nacional do Plano de Sustentabilidade da Segurança Social, Manuel Moreira, disse ao Jornal de Angola que “é fundamental aumentar a cobertura da protecção social obrigatória aos nossos cidadãos”. As medidas nesse sentido devem ser encaradas como investimento e poupança.
Jornal de Angola – Como cidadão e alto funcionário do Instituto Nacional de Segurança Social (INSS), o que significa a entrada em vigor do Decreto Presidencial referente aos trabalhadores domésticos?
Manuel Moreira – A publicação deste diploma representa mais um avanço na protecção social dos trabalhadores e suas famílias, bem como o reforço dos direitos de cidadania e promoção da coesão social no nosso país. Não podemos permitir que haja trabalhadores cobertos pela Protecção Social Obrigatória e outros legalmente excluídos. É fundamental aumentar a cobertura da protecção social obrigatória aos nossos cidadãos e estas medidas não podem ser encaradas como despesa, mas antes como investimento e poupança. Quando estes trabalhadores tiverem eventos ao longo da vida que lhes excluam temporária ou definitivamente do mercado de trabalho, os patrões deixam de estar responsabilizados moral ou legalmente pelo pagamento dos rendimentos perdidos, passando a ser uma responsabilidade do Estado. É também um passo para a diminuição da pobreza.
Jornal de Angola – Acredita que, com esse decreto, haverá mais respeito por essa classe profissional?
Manuel Moreira – O diploma vem regular a Protecção Social a esta classe de trabalhadores, como também os direitos e obrigações no domínio do trabalho. A lei confere mais responsabilidade ao empregador, que se vai adaptar à nova realidade legal.
Jornal de Angola – Quem deve ser o primeiro fiscalizador do cumprimento do Decreto Presidencial, os trabalhadores domésticos ou a Inspecção do Ministério da Administração Pública, Trabalho e Segurança Social?
Manuel Moreira – À semelhança do que acontece noutros países, o trabalhador será o maior fiscalizador e promotor da consolidação deste regime jurídico. Os maiores interessados na defesa dos seus direitos são os próprios trabalhadores que, junto dos sindicados e do Ministério, podem assumir um papel fundamental na defesa dos direitos e dignidade do trabalho doméstico e sua protecção social.
Jornal de Angola – Devido ao aumento dos encargos para muitas famílias com trabalhadores domésticos, esse decreto não pode dar azo ao surgimento de uma nova categoria, a diarista, ou até ao crescimento da informalidade?
Manuel Moreira – É exactamente para combater a informalidade neste sector económico que surge este diploma. À excepção dos trabalhadores domésticos enquadrados em empresas inscritas no Sistema de Protecção Social Obrigatória, todos os restantes trabalhadores, nomeadamente os que trabalham em casas particulares, por exemplo, e que são a grande maioria, não possuem qualquer protecção social. Acredito que esta lei vai contribuir para reduzir a informalidade do sector, uma vez que os empregadores são obrigados, por lei, a inscrever os trabalhadores na Segurança Social e a pagar as contribuições devidas. Quem não o fizer e for denunciado é sancionado nos termos da lei. Também é natural que os empregadores adoptem estratégias, que podem passar pelo sistema diarista ou por terceirizar os serviços a empresas no mercado. Inclusivamente, é expectável que haja um crescimento do número de empresas deste sector e mais profissionalismo. Ao longo do tempo, o mercado vai regular-se por si mesmo.
Jornal de Angola – Este decreto é realista para o nosso contexto econômico e social?
Manuel Moreira – O povo angolano ambiciona um Estado moderno e socialmente justo e esta é seguramente mais uma medida do Executivo para responder ao que pretendemos. À semelhança do que aconteceu noutros países, houve, no início, muita controvérsia entre empregadores e trabalhadores. Ao longo do tempo, os trabalhadores foram exigindo os seus direitos e hoje são regimes profissionais e de segurança social perfeitamente consolidados. Este decreto foi desenvolvido com base no conhecimento da realidade angolana e está perfeitamente adequado à nossa sociedade.
Jornal de Angola – O que muda na rotina do trabalho do INSS com a entrada em vigor do Decreto Presidencial sobre a Protecção Social e Jurídica do trabalhador doméstico?
Manuel Moreira – Este regime abrange um grande volume de trabalhadores. Numa fase inicial, o INSS está a organizar-se para acolher um grande número de utentes, proceder às inscrições e controlar o pagamento das contribuições provenientes deste regime. Temos consciência de que um dos grandes desafios é implementar um pagamento contributivo ágil, embora este desafio não seja exclusivo deste regime. Numa segunda fase, o instituto tem de se preparar para o pagamento das prestações sociais, que só devem ocorrer caso os trabalhadores tenham cumprido os requisitos estabelecidos, em particular ter as contribuições todas pagas.
Jornal de Angola – Corrija-me se estiver equivocado. Em Angola, um trabalhador é reformado aos 65 anos ou depois de 35 anos de serviço, em cujo período deve descontar para a Segurança Social metade ou a totalidade das prestações previstas na lei. A minha curiosidade é a seguinte: como é que o Instituto Nacional de Segurança Social vai tratar, por exemplo, o caso de um empregado doméstico que entra no Sistema de Segurança Social aos 58 anos?
Manuel Moreira – Em Angola, um trabalhador pode reformar-se por lei aos 60 anos ou após 420 meses (35 anos) de contribuições seguidas ou interpoladas. Um trabalhador que integre o sistema com 58 anos de idade, tem duas opções: resgatar todo o dinheiro das contribuições realizadas durante o período contributivo, devendo ser inferior a 120 meses, e permanecer mais tempo no mercado de trabalho, alcançar 120 meses de contribuições seguidas ou interpoladas e solicitar o Abono de Velhice.
Jornal de Angola – Há empregados domésticos inscritos no INSS antes de haver um decreto sobre a matéria?
Manuel Moreira – Existem empresários que integram os trabalhadores domésticos na folha de salários das empresas, bem como há empresas de serviço doméstico que já inscrevem os seus trabalhadores.
Jornal de Angola – O INSS está preparado para dar resposta à grande procura pelos seus serviços em função da entrada em vigor do decreto?
Manuel Moreira – Estamos preparados, mas ainda temos de dar avanços operacionais para facilitar o pagamento das contribuições. Embora esta não seja uma questão exclusiva para este regime.
Jornal de Angola – Os vossos serviços estão a ser descentralizados?
Manuel Moreira – A distância entre os locais de residência dos utentes do INSS e os Serviços de Segurança é um factor de constrangimento no acesso à Segurança Social. O Executivo colocou em marcha, desde 2012, uma estratégia de aproximação dos Serviços da Segurança Social ao cidadão, tendo implementado, entre outras medidas, um conjunto de Serviços Municipais em todas as províncias do país – Icolo e Bengo e Cacuaco (Luanda), Matala (Huíla), Caála (Huambo), Negage (Uíge), Cacolo (Lunda Sul), Tômbwa (Namibe), Buco Zau (Cabinda), Waku Kungo (Cuanza Sul), Cacuso (Malanje), Dondo (Cuanza Norte), Ganda (Benguela), Ombadja (Cunene), Lucapa (Lunda Norte), Andulo (Bié) e Cuchi (Cuando Cubango).
Jornal de Angola – O que pode anunciar aos pensionistas?
Manuel Moreira – Vivemos tempos muito difíceis. Todos temos de fazer sacrifícios e os políticos têm de ser realistas com o que podem prometer. Estamos a equacionar soluções exequíveis para este grupo populacional frágil. O Executivo tem tomado medidas dirigidas aos pensionistas de baixos rendimentos. Desafio-o a encontrar um país no mundo que tenha elevado o valor mínimo da pensão de reforma por velhice acima do salário mínimo e igualado a pensão mínima ao salário mínimo nacional. Desde 2011, que não há pensionistas da pensão de reforma por velhice a receber um valor inferior a 18.922 kwanzas e pensionistas com o abono de velhice a receber valor inferior a 15.003 kwanzas.
Jornal de Angola – O que tem a dizer sobre as pensões de viuvez?
Manuel Moreira – A protecção na morte é justa e adequada à realidade do nosso país. Uma viúva com 50 anos ou mais de idade tem direito a receber uma pensão de sobrevivência vitalícia, desde que não esteja empregada. No caso de estar empregada, recebe o subsídio de funeral e por morte.
Jornal de Angola – Como o Estado equaciona a sobrevivência das viúvas que dependiam económica e exclusivamente do marido, no lapso de tempo que vai da morte ao ano em que, nos termos da lei, entram para o sistema?
Manuel Moreira – No caso do cônjuge sobrevivo, viúva ou viúvo, ter idade inferior a 50 anos de idade e esteja desempregado tem direito a uma pensão de sobrevivência temporária, tendo 12 meses para se reintegrar no mercado de trabalho. Nas prestações sociais, na eventualidade da morte, tem-se de ter muito cuidado na sua concepção, devido ao grande volume financeiro que é necessário possuir. Por exemplo, um cônjuge sobrevivo com 30 anos de idade e que morra com 65 anos, se tivesse direito a uma pensão de sobrevivência vitalícia corresponderia a 35 anos com um rendimento fixo, provavelmente acumulado com rendimentos de trabalho. Não nos podemos esquecer que a esperança de vida em Angola está a aumentar e que o nosso sistema de protecção social obrigatória ainda não está preparado financeiramente para uma despesa desta complexidade. De notar que em diversos sistemas de segurança social europeus este debate ocorre e existem critérios mais restritivos na protecção de sobrevivência ao cônjuge sobrevivo.
Jornal de Angola – Nos casos de órfãos com necessidades especiais, que tipos de apoios a lei confere e até que idade?
Manuel Moreira – O nosso sistema de Protecção Social Obrigatória protege na morte todos os filhos e, em particular, de forma vitalícia os filhos com incapacidade de 30% ou mais para o trabalho.
Jornal de Angola – As grandes filas de pensionistas junto de agências do Banco de Poupança e Crédito mancham a imagem do INSS. Esse cenário pode ser evitado?
Manuel Moreira – Reconheço e somos sensíveis à questão. É uma das questões que nos tiram o sono. O INSS trabalha nesse sentido, uma vez que um dos grandes objectos da gestão financeira é ter liquidez todos os meses para fazer face aos compromissos com o pagamento das prestações sociais. Não temos quaisquer dúvidas que o risco da liquidez também se mitiga pela diversificação dos depósitos do Fundo de Financiamento da Segurança Social. Foi já criada uma comissão da qual faço parte para aprofundarmos a questão. Vamos equacionar medidas de articulação com a banca para melhorar o pagamento das contribuições à Segurança Social. Consolidado o pagamento contributivo em toda ou parte da banca, estamos em condições de avançar para a diversificação bancária no que respeita ao pagamento das prestações sociais aos segurados e pensionistas

Sobre Ivair Augusto Alves dos Santos

Professor doutor, escreve para o portal Mundo Negro e pai de cinco filhos.

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O Observatório

Este observatório é uma iniciativa do Grupo de Estudos Africanos vinculado ao Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (GEA/IREL-UnB), que busca refletir sobre a vida política, social e econômica da África contemporânea, com destaque para sua inserção internacional. Preocupando-se com o continente marcado pela diversidade, o Grupo de Estudos Africanos, por meio do Observatório, propõe um olhar crítico e compreensivo sobre temas africanos, em suas mais diversas dimensões.