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Relações Brasil – Angola: entre o pragmatismo e a estratégia

De acordo com o Itamaraty, as relações entre a República do Brasil e a República de Angola se organizam por meio do conceito de parceria estratégica. O conceito se refere à um dos maiores legados da política externa brasileira, que é a constituição de um acumulado de relações bilaterais, dentro dos quais destaco a parceria estratégica global com a China, com a União Europeia e com a Rússia.

O conceito descreve toda uma evolução das relações internacionais do Brasil, em termos da presença global do país, bem como aponta para a existência de relações bilaterais consideradas prioritárias, denominadas parcerias estratégicas (Oliveira& Lessa, 2013)[1]. A ideia é que, em um momento específico no âmbito das relações entre o Brasil e outro Estado, a partir de uma convergência de interesses e iniciativas já concretas, emirja a natureza estratégica – nenhuma relação bilateral se mantém uma parceria estratégica ad infinitum.

De acordo com o Ministério das Relações Exteriores, a parceria entre Brasil e Angola foi formalizada por meio da Declaração Conjunta sobre o Estabelecimento de Parceria  Estratégica entre a República Federativa do Brasil e a República de Angola[2], em junho de 2010, onde se avalia a existência da parceria à luz do discurso diplomático dos laços culturais e históricos, do compromisso com o fortalecimento do multilateralismo e da cooperação.

A visão oficial sobre essa parceria recai em assuntos bilaterais, como cooperação, comércio, ciência e tecnologia, como assuntos internacionais, como o apoio do Brasil à candidatura de Angola para membro do Conselho de Segurança das Nações Unidas no próximo biênio, anunciado pela Presidenta Dilma, durante visita do Presidente José Eduardo dos Santos à Brasília em 16 junho de 2014, que faz parte de uma rede de trocas políticas entre ambos os países. 

A Declaração oferece uma boa explicação para o conceito de parceria estratégica, e aponta para uma agenda de trabalho bastante diversificada, desde a complementaridade em termos de consultas sobre questões de defesa e segurança (iniciativas no âmbito da Zona de Paz e Cooperação no Atlântico Sul), comércio e indústria (petróleo, agronegócio, minas e energia, petroquímica, indústria de defesa, dentre outros) bem como a articulação de posições comuns, conforme apontado.

O caso de Angola é muito relevante para entender o processo de formação de um parceiro estratégico no âmbito da política externa brasileira. O Itamaraty esteve envolvido no reconhecimento da independência de Angola e do governo do Movimento Popular para a Libertação de Angola desde 1975, época em que o Brasil mantinha uma Representação Especial em Luanda, para estabelecer contato com os três movimentos de libertação.

Em uma dissertação publicada pelo Ministério das Relações Exteriores em 2008, Márcia Maro da Silva analisa o processo decisório e a formulação da política para o reconhecimento da independência de Angola vis-à-vis a resistência, no âmbito interno, ao reconhecimento de um governo marxista em Luanda, na época do regime autoritário no Brasil (SILVA, 2008)[3].

Quase quarenta anos depois do pragmatismo para legitimar a independência de Angola, a relação ganha um caráter estratégico. Penso que é importante realizar um debate em torno da atuação e presença brasileira nesse país, não somente do corpo diplomático e das iniciativas políticas, mas examinar a postura de empresas brasileiras que, baseadas em acordos diplomáticos, experimentam um novo mercado e campo de ações.

As parcerias estratégicas são conceitos importantes no mundo diplomático, e de maneira alguma são invenção brasileira. O conceito reflete especificamente o mundo da diplomacia, e tem origem na linguagem política, de maneira que se torna um instrumento relevante para a análise da formulação e condução da política externa de um país.

O caso da relação entre Brasil e Angola pode ser um campo empírico muito rico para investigar possibilidades de pluralizar as relações internacionais enquanto disciplina acadêmica, para ir além o modelo de análise limitado baseado no ator-racional e compreender a natureza diversa e complexa do então chamado Global South.

A problematização dessa parceria toca um assunto que permeia os debates sobre as relações entre o Brasil e o continente africano, principalmente a África subsaariana: há, para além da retórica do MRE, uma política externa africana no Brasil?

 

Referências  

 [1] OLIVEIRA, Henrique Altemani (org.) & LESSA, Antonio Carlos (org.) Parcerias Estratégicas do Brasil: os significados e as experiências tradicionais. 1.ed. Belo Horizonte: Fino         Traço, 2013.

[2] Acessado em 20 de junho de 2014. Disponível em: http://dai-mre.serpro.gov.br/atos-internacionais/bilaterais/2010/declaracao-conjunta-sobre-o-estabelecimento-de-parceria-estrategica-entre-a-republica-federativa-do-brasil-e-a-republica-de-angola

 [3]SILVA, Márcia Maro. A Independência de Angola. Ministério das Relações Exteriores: FUNAG, 2008.

 

Para ouvir a íntegra da Declaração à imprensa da Presidenta Dilma Rousseff, acesse: 

https://soundcloud.com/palacio-do-planalto/integra-dilma-declaracao-a-imprensa-apos-encontro-com-o-presidente-da-republica-de-angola 

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O Observatório

Este observatório é uma iniciativa do Grupo de Estudos Africanos vinculado ao Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (GEA/IREL-UnB), que busca refletir sobre a vida política, social e econômica da África contemporânea, com destaque para sua inserção internacional. Preocupando-se com o continente marcado pela diversidade, o Grupo de Estudos Africanos, por meio do Observatório, propõe um olhar crítico e compreensivo sobre temas africanos, em suas mais diversas dimensões.